LEMBRANÇAS CAVALARIANAS DE UM ENTARDECER NO ALEGRETE

Comente este artigo!

Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn

Caros amigos

Guardo especial lembrança de uma passagem pelo 6º Regimento de Cavalaria Blindado (6ºRCB), sediado na cidade de Alegrete (RS) entre tantas oportunidades que tive de estar naquela unidade, pelo significado que tem para o espírito cavalariano.

Fui Aspirante a Oficial no 5º Regimento de Cavalaria (5ºRC), Quaraí (RS), onde cheguei no ano da mecanização da 2ª Divisão de Cavalaria (1972), isto é, da substituição dos cavalos pelos blindados.  O Quinto foi o único Regimento a permanecer a cavalo por mais alguns anos, razão que me levou a escolhê-lo como minha primeira unidade.

Logo após a minha apresentação na unidade, recebemos, a cavalhada do 7º e do 8º RC. Ficamos com os animais de menos de doze anos e levamos para Alegrete os cavalos que, acima dessa idade, ainda eram "servíveis" para o Exército. De lá foram levados para outras unidades, aí incluído o Regimento de Dragões da Independência, onde, mais tarde, ainda encontrei alguns craques do "Malacara 7", nome carinhoso dado ao 7º RC, regimento que foi comandado por meu pai.

Meu primeiro comandante, coronel Nascimento, autorizou-me a assumir o comando da "comitiva", ou seja, da equipe de "tropeiros" que levaria, por estrada (+/- 120 km) os 98 cavalos a serem entregues no 6º RCB.

Éramos eu, meu sargento adjunto do pelotão, dois cabos e dois soldados, divididos, conforme fui instruído pelo mais experimentado dos "milicos", em dois "pontero", dois "meiero" e dois "culatrero"!

Assim fomos em uma tropeada de dois dias e meio, em que trocávamos de cavalos a cada manhã.


Cheguei montado em um "bragado" bonitaço (cavalo de pelagem malhada) de nome "Palhaço".  Minha infinita vaidade cavalariana me fazia sentir como um rei, o dono do mundo, desfilando pelas ruas do Alegrete em uma manhã de domingo.

Entramos pela frente do quartel e colocamos a cavalhada em um potreiro à direita de quem chegava.

Fomos muito bem recebidos e instalados e, mais tarde, no cair da noite, pouco antes do jantar, fui dar uma olhada nos cavalos. Não entrei no potreiro, fiquei de longe, vendo-os pastar, calmos e serenos como velhos e experimentados cavalos de guerra. Ainda agora me emociono com a lembrança da imagem...

Embora envolto nos pensamentos que me traziam à lembrança a certeza de ter escolhido a única carreira e a única Arma que me faria feliz para o resto da vida, percebi a chegada do então capitão Edson "Cebolinha"’ – Cavalaria, turma de 1960 –, recém chegado ao Sexto e ainda alojado no regimento. Conheci-o naquele dia.

Depois de nos cumprimentarmos, ficamos os dois em silêncio, observando a nobreza dos nossos amigos. Em um dado momento, o capitão me disse que já havia servido no Quinto e que guardava caras lembranças desse tempo, acrescentando que, delas, a que mais o marcava era a do seu cavalo, um lindo bragado de nome "Palhaço"!

Como se fosse hoje, a lembrança desse momento me fez sentir correr no rosto mais uma lágrima cavalariana...

Olhei para o potreiro e vi, no lusco-fusco do final do dia, bem no alto da coxilha, a imagem do "Palhaço" projetada no horizonte.
Ato contínuo, apontei e disse: "Lá está o seu cavalo, capitão!"

Ele não disse nada, mas o seu silêncio disse tudo.

Depois de um momento de hesitação, sem tirar os olhos do que via, o capitão se dirigiu ao potreiro. Não o acompanhei. Não me senti no direito de participar daquele reencontro. Apenas saboreei a emoção, que ainda agora sinto, daquilo que só eu testemunhei, projetado no entardecer do Alegrete: o cavalo, o soldado, as lembranças de cada um e o sentimento de amizade, gratidão e cumplicidade que só os cavalarianos têm a ventura de sentir e testemunhar!

Assim como eu, o capitão chorou...

General Paulo Chagas