PARA OS MEUS AMIGOS COROAS

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Por Saint-Clair Paes Leme, poeta maldito de botequim pé-sujo.


Eu sou de um tempo distante.

O chamado tempo do onça.

Tempo em que qualquer máquina.

Era uma geringonça.

Sou do tempo em que

Se amarrava cachorro com linguiça.

E em que todos os domingos

A gente ia a missa.

Trago lembranças bacanas

Das Casas Pernambucanas.

Das farras, no bonde aberto.

Dos chapéus da Casa Alberto.

 Tempo em que adultério era crime.

E o Flamengo ainda tinha time.

Do busca-pé, do rojão,

Sou do tempo do xarope São João.

Venho do tempo em que

Menino só gostava de menina.

Tempo do confete e serpentina.

Nas festas de Carnaval.

Do Sírio, do Monte Líbano,

Dos bailes do Municipal.

Das festas de gala do Glória.

Ah, meu Deus, quanta história!

De vestido comprido as bonecas.

E nós de smoking preto.

Os sarros que molhavam as cuecas.

Como era gostoso o arreto!

Sou do tempo do bicarbonato.

Do lançamento do Sonrisal.

Sou do tempo em que futebol.

Era pra cara macho.

Em que ninguém sossegava o facho

Nos bailes de formatura.

Sarrando com a bicha dura.

Também se engomando a cueca.

E ainda se jogava sueca.

Dos play-boys botando banca.

Tempo que o telefone era preto.

E a geladeira era branca.

Sou do tempo em que se confiava

Nas companhias aéreas.

Em que a penicilina

Curava todas as doenças venéreas.

Sou do tempo da Rádio Nacional.

Do lança perfume no Carnaval.

Do calouro na hora da peneira.

Tempo em que pó era o mesmo que poeira.

Tempo do terno risca de giz.

Da calça de boca apertada.

Da Lapa de Madame Satã.

De poder ir torcer no Maracanã.

E lembrar da mãe do juiz.

Sou do tempo do Doi-Codi.

Do comigo-ninguem-pode.

Da alegria desvairada.

Da ditadura envergonhada.

Sou do tempo em que ficar.

Era apenas não ir.

Tempo de permitir.

Passeios à beira-mar.

Tempo de se curtir a vida.

Sem medo de bala perdida.

Tempo de respeito pelos pais.

Enfim, sou de um tempo que já não volta mais.

Sou do tempo da brilhantina.

Do laquê, da Glostora, do Gumex.

O correio não tinha Sedex.

O que vinha era telegrama.

Trazendo uma boa ou má notícia.

Sou do tempo em que a polícia.

Perseguia todo sambista.

Que tivesse alguma fama.

Tempo em que só mulher usava brinco.

Em que as portas não tinham trinco.

E que se dizia demorou.

Só pra quem chegasse atrasado.

As calças não perdiam o vinco.

Picada era só na bunda.

Se aquela febre profunda.

Não tivesse melhorado.

No meu tempo coca era refrigerante.

E todo homem elegante.

Abria a porta do carro.

Aceitava-se qualquer cigarro.

Sem medo de ser um novo fato.

Só o preço podia ser barato.

Bicho era só animal.

Cara, o rosto do pobre mortal.

Sou do tempo do tergal.

Do ban-lon, do terilene,

Da Emilinha e da Marlene.

No sucesso musical.

Sou do tempo do mocinho.

E o vilão com cara de mau.

Do reclame de fortificante.

Do óleo de fígado de bacalhau.

Sou do tempo do coreto e da banda.

Do velho cigarro Yolanda.

Vendido na venda da esquina.

Sou do tempo da estricnina.

Veneno tão poderoso.

Sou do tempo do leite de magnésia.

Do sagu, do fubá Mimoso.

Do fosfato que curava a amnésia.

Do tempo em que baseado.

Era só um cara folgado.

Sou do tempo da cocoroca.

Do tempo da Copa Roca.

Que muita gente não viu.

Do progresso tão abrupto.

Que todo mundo assistiu.

Porém, político corrupto?

Como rato que sai da toca?

Ora! Esse, sempre existiu!

Só que eram bem mais discretos

E tinham uma melhor cultura

Hoje roubam tudo e direto

E quando falam...é uma tortura!

Sou do tempo em que Benjor.

Se chamava Jorge Bem.

A carne do bife era acém.

Carne de cachorro era bofe.

No meu tempo não havia estrogonofe.

Sou do tempo do tostão e do vintém.

Da zona com seus bordéis.

Programas de dez mil réis.

Sou do tempo da Cibalena e do Veramon.

E da revista Fon-fon.

Assisti filmes do Rin-tin-tin.

Sou do tempo da confeitaria Manon.

Da magia, do pó de pirlimpimpim.

Colecionei estampas Eucalol.

Acompanhei o lançamento da Avon.

Tomei o fortificante Calcigenol.

Sou do tempo da PRK 30.

Do rádio tipo capelinha.

Dos contos da Carochinha.

Do remédio no bonde anunciado:

"Veja ilustre passageiro

o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado

Mas, no entanto, acredite, quase morreu de

bronquite, salvou-o o Rhum Creosotado".

Sou do tempo da Cafiaspirina.

Da compressa de antiflugestina.

Do bálsamo de benguê.

Sou do tempo da Casa Cavê

Fui leitor do almanaque Tico-Tico

Tempo em que trabalhador ficava rico.

Com fruto só de seu trabalho.

E não como hoje, que é um grande zaralho.

Do taco com cera Parquetina.

Em que a adolescente era uma menina.

Não ficava grávida jamais.

E não haviam as cretinas

Que nem desconfiam quem são “os pais”.

Sou do tempo do óleo de linhaça

Andei na Maria Fumaça.

Li muito a revista Cruzeiro.

Escrevi com caneta- tinteiro.

Separei o joio do trigo.

Vi muito vigarista na cadeia.

Só não fui garçon da Santa-Ceia.

Também não sou assim tão antigo.

E pra você, meu amigo

Que tambem sente saudade.

Vou confessar-lhe a verdade:

Naquele tempo, orgulhoso

Eu via o meu “garoto” lustroso

Comendo todas que apareciam.

Podia ser bonita e...até feia

Em todas eu socava a peia.

Bom era não ficar sozinho.

Ainda que precisasse ir até ao bambuzinho.

Ficava louco só de olhar um joelho

Mas, hoje, olhando no espelho

Chego até a me sentir mal.

Ao invés do belo ferro vejo apenas um bilau.

Aquilo que nos bons tempos era duro como pau.

Ainda que me dê alegrias.

Já não é aquela orgia.

E ao invés das seis numa tarde.

Fico em uma bem dada

Senão o bicho já arde

E a parceira fica irritada

Ainda não usei Viagra

Mas usarei se preciso

Espero que não leve flagra

Porque não pega bem, já aviso!

Assim vou levando a vida

Que afinal merece ser bem vivida

Melhor um velho deletério

Do que ir para o cemitério.{jcomments on}