Artigos da Seção AMAN 72

A FATIDICA MOSCA AZUL!

Comente este artigo!

Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn

   alt

    Na minha infância querida, que os anos não trazem mais, regava-se a última flor do Lácio, singravam os mares navios negreiros, circunvolavam moscas azuis. Tempos saudosos, em que joias literárias nas salas de aula enterneciam corações.  

    Atribuem aos poetas pechas de sonhadores, alienados incorrigíveis incapazes de atravessarem a rua para comprar o frango dominical na padaria da esquina. Ah, ah, ah - ironizariam eles presunções enganosas sobre realidades que descortinam com extraordinária clareza. 

   Casemiro de Abreu, Olavo Bilac e Castro Alves, autores de Meus Oito Anos, Última Flor do Lácio e Navio Negreiro, abordaram temas recorrentes no Brasil atual: os cuidados a jovens e idosos, a valorização do idioma, a praga do racismo ainda responsável por conflitos e injustiças sociais.

     Na Mosca Azul, Machado de Assis ratifica indiscutida maestria na dissecação psicológica, originando expressão que surpreende na motivação poética do escritor consagrado.

 

Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
Filha da China ou do Indostão.
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada.
Em certa noite de verão.

E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol
E da lua — melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão-Mogol.

Um poleá que a viu, espantado e tristonho, 
Um poleá lhe perguntou:
— "Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho, 
Dize, quem foi que te ensinou?"

Alvoroçado chega, examina, e parece
Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
Dissecar a sua ilusão.



    Pois bem, insetos genéricos destoam da variante machadiana abrigada no bunker das emoções humanas. Cevadas na vaidade, na cobiça e na sede de poder, enxames de moscas azuis diariamente invadem instituições, sociedade e a vida em geral, na desrazão de poleás deslumbrados pela insidiosa mosca versejada nos seus espíritos distraídos.  Nela, resplandece proximidade sedutora do poder, rastreando alvos preferenciais: aspirantes a novos-ricos, candidatos a promoção funcional, políticos ambiciosos, jogadores de futebol enricados, artistas badalados e indescritível fauna enferma da síndrome DSD – Distanciamento, Simulação, Deslumbramento.

       - Distanciamento – ignora o infectado suas bases afetivas: foge da pelada semanal, subestima o habitual chope vadio no pé-sujo infecto, desborda reuniões da turma de colégio, desconversa sobre futebol, mulher e política;

       - Simulação – consiste no velho, mal-ajambrado embuste. Ex: conhecido não faz nada - nada faz madruga e anoitece na repartição, veste-se com esmero o mulambento, alardeia ética o mordômico, sugere soluções estapafúrdias o inventor, opera o yes-man, tudo para impressionar chefes e avaliadores;      

       - Deslumbramento – fase aguda da doença, o paciente só pensa e fala naquilo. Do chefe, evita zoar o time rebaixado e vira casaca em casos extremos, voluntaria-se para acompanhar lulu da madama, abre e fecha porta do automóvel, até aplaude bocejo. Aos companheiros, transfigura-se em contrafação lamentável.        

   Tal poleás mundanos, o da poesia enlouquece ao empalmar a mosca azul, desvario passível de morte física.   

    A genialidade do Bruxo permanece inegável. De repente, zumbindo o inseto fatal, talvez  ecoe proclamação redentora:

   - Aos deslumbrados, tudo; menos o poder!    

 

Rio, 30 de outubro de 2015.

Dom Obá III, mata-moscas.{jcomments on}