Artigos da Seção AMAN 72

O LETARGO, O BARDO E O CALIFADO

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     Homens de verdade balançaram-me coração e mente nesta semana, sem suscitarem  arrebatamentos juvenis que a maturidade ignora, mas admiração incontida diante de imagens e palavras publicadas. Antes que a vigilante patrulha MMM me aliste na brigada do amor que não ousava dizer o nome, os incluo na espécie em extinção dos que afrontam o farisaísmo politicamente correto, negando contrafações ou encenações pueris.  Sumo sacerdote da seita, o confrade Ismael B encarna à perfeição o espírito de tais cavaleiros neandertais.

    Sucessivas clausuras, no bunker-barraco do Urubú-Babilônia, acenderam o alerta vermelho: a que atribuir a tendência quase compulsiva de isolamento da vida mundana? Percebera indícios, porém algo excedia os pífios desempenhos do atual Pigmeu da Colina a explicar meus crescentes e prolongados retiros no cafofo montanhês. Hipóteses aventadas, lhes dispenso de apreciação enfadonha, exceto daquela pinçada no chamado reino animal.    

   Ao consultar desfolhado tomo da Enciclopédia Barsa/1959, nos ursos rastreei o fio da meada. Sim, os simpáticos ursos polares, durante meses entocados em grupos familiares para enfrentar as gélidas temperaturas invernais. Ao hibernarem, gradual processo letárgico os vitima, rebaixando-os a ursinhos de pelúcia inofensivos. Acompanham-lhes marmotas, esquilos, morcegos, ouriços e variados espécimes, letargos na pura acepção conceitual devido às maiores desconstruções psicofisiológicas sofridas na hibernação. Abismado, desconfiei-me homem-urso latente, futuro letargo humano.  

   Envolto em crise existencial profunda, comparei-me a confrades há tempos desaparecidos do CMPV, por suposto em prolongado estado de fruição letárgica. Ivan C, Djalminha, Louvera, Gonzaguinha, Abelardo M, Boschetti, Nonato e Bastos são exemplos recorrentes.Na verdade inúmeros letargos militam na esfera virtual, embora repassando mensagens que não lhes dissipam atribulações afetivas perante a Turma. Tudo piorou quando os meus ídolos literários de uma vida inteira, bardo Cléo e Damerran Smith, perigosamente rarearam suas intervenções na rede, provocando-me dilacerantes conjecturas, felizmente desfeitas nesta madrugada.

   Ao interromper o sono, fruto de indescritível pesadelo sob o qual me debatia aferrado a  permanente imobilismo letárgico, corri até o velho PC, onde com enorme dificuldade e assombro metafísico acessei revelações redentoras, primeiro, a do inigualável bardo, depois, a do insigne xamã alencarino.

   Cético de carteirinha, paralisei à vista da brilhante poesia Ao Meu Amigo/ Irmão/ Companheiro Don Obá.  Genial do princípio ao fim, a temporada no manicômio parece ter despertado terríveis, incontroláveis demônios na psique privilegiada do estimado amigo-irmão tijucano, talvez adensando já grave patologia substancialmente cevada na indignação com a corrupção galopante, que vilipendia as relações sociais. Como Rimbaud redivivo, sua experiência psiquiátrica remete à estação no inferno do renomado simbolista francês, desobrigado por sorte de antever mazelas endêmicas contemporâneas.

   Enquanto esperança persistir o sonho triunfará, dileto bardo Cléo. A Dr Eiras já se transformou num condomínio de luxo, a vantagem da Dilma nas pesquisas balança, a fada-madrinhaenfermeira servirá e contará histórias no PDC, corruptos e corruptores abandonarão a cena política e os vencimentos dos coronéis do EB lhes permitirão morar na orla de Ipanema e comprar flats parisienses no Marais ou no Quartier Latin.

  Extasiado, encareço externar dois sentimentos. Um, de gratidão pelas honrosas, a rigor imerecidas referências a este modesto escrevinhador. Outro, de insondável preocupação com a sua conversão às hostes da selvagem “nação” esportiva, que mesmo decorrente de forte privação de sentidos exige ida premente a psiquiatra, bruxo ou demiurgo capaz de exorcizá-la.  

   Ainda trôpego, recorro à mensagem seguinte e leio – “ Visita do Coronel Salvany ao 3º RCC” -. Breve convulsão me agita, interpretada como libertadora dos riscos de ascender a homem-urso letargo. Finalmente redimido, célere acesso os arquivos anexados. Num flashback emocionante imagens atestam o reaparecimento do inesquecível comandante do 3º Regimento de Carros de Combate à Unidade querida.

   Imagino o frisson da tropa ao adentrar o ex-Cmt lendário no aquartelamento. Tal qual Dom Sebastião ou Cid campeador de carne e osso, refulge a figura encantada do líder impoluto. Simples e acessível, como os grandes homens, no envergar vestimenta operacional peculiar percorre as garagens, monta nas torres e no interior dos carros, nas guarnições a se readaptar aos avanços tecnológicos, desvenda as salas de instrução e as instalações mais recônditas do quartel, conhecedor emérito que é das minudências profissionais. Terminando a visita, oponto culminante: dirige-se a jovens oficiais perfilados, visivelmente atrelados ao seu reconhecido carisma e sábias palavras proferidas.

   Sendo Osório o indiscutível profeta da gente cavalariana, Ivo Salvanyus é o indiscutível califa atual. Dia haverá em que, mutatis mutandis, suas crescentes conquistas superarão as do afamado califado abássida. Sem as violentas rupturas grupais dos religiosos, o califado salvânico se agiganta harmônico graças à liderança inconteste do xamã cearense, que discretamente percorre os domínios da Arma Ligeira convertendo o valoroso povo tanquista e das baias.  

    Nas asas da poesia, e em imagens apostólicas, livrei-me da ameaça de tornar-me letargo.

    Aos estimados confrades Cléo e Damerran Smith, os meus efusivos agradecimentos.

   Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2014

   Dom Obá III acordado, pronto para o serviço.{jcomments on}